Thursday, September 04, 2008

Tom Waits e a graxa

Meu pai sempre foi um cara elegante. Passava perfume bom antes de sair de casa, fazia a barba com um pincel super descolado, a camisa estava sempre alinhada e os sapatos, brilhantes.

Assim como ele, meu avô também prezava pela boa aparência. Boina na cabeça, bengala, gravata. Todos os santos dias. Santos porque ele era um cara religioso.

Entre as imagens mais vivas que tenho da minha infância e que me são caras, está a do meu pai fazendo a barba no espelho do banheiro e a outra, dele, engraxando os sapatos em uma daquelas cadeiras enormes do calçadão da rua XV de Novembro. Depois, um cafezinho no bar ao lado.

Ter os sapatos engraxados enquanto se lia um exemplar da Gazeta do Povo fazia parte de uma espécie de ritual ou tradição tipicamente masculino. Assim como discutir política na Boca Maldita ou comer filé no Bar Palácio nas madrugadas. E é assim com os homens do Brasil inteiro. Muda-se o jornal, o bar e a maldição, mas permanecem os engraxates, a tradição, e os sapatos, brilhando.

E agora, não bastasse minha fascinação pelos cavalheiros sempre tão distintos tendo seus sapatos engraxados ou os engraxando, Tom Waits – ele mesmo, O Cara – também lembrou do charme dessa tradição tão tipicamente brasileira.

Em uma entrevista pra lá de interessante publicada pelo jornal britânico The Independent, Tom Waits entrevista a si mesmo e se pergunta, no meio de tantas outras indagações curiosas e irônicas, quais as coisas mais marcantes que ele havia encontrado em lugares inesperados.

“Shoe shine stands that looked like thrones in Brazil made of scrap wood” (Assentos de engraxar sapatos que se parecem com tronos feitos de restos de madeira no Brasil).

A escolha, tão atenta, vem logo depois de “Beleza real: marcas de óleo deixadas pelos carros nos estacionamentos”.

Consigo imaginá-lo sentado em um dos tronos, de chapéu do lado e com olhar de observador inveterado. Um gentleman, como ele só.

Agridoce e perspicaz, Waits revela singeleza, coberta de graxa – dos carros ou dos sapatos. Um artista lapidado, ou ainda, engraxado.

A entrevista vale a pena. E o conselho que Jim Jarmush deu a ele sobre coisas boas, rápidas e baratas também. Vai lá ver: http://www.independent.co.uk/arts-entertainment/music/features/tom-waits-a-conversation-with-himself-846164.html

* Foto de cassimano http://www.flickr.com/photos/tags/cassimano/

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