Thursday, May 18, 2006

Ampolas culturais...


" Quando ouço a palavra cultura, saco meu revóver". Goebbels
"Quando ouço a palavra cultura, saco meu talão de cheques".Jerry Palance
Eu quando ouço a palavra cultura, penso que deveria vir em ampolas, para injetar na veia.
Estou viciada.
Maio, mês cultural em Londres. Um pouco do que eu vi por aqui, nas minhas doses diárias ou semanais.
Dose número um: Tom Zé.



Como parte do evento Tropicália - A revolution in Brazilian Culture, promovido pelo Barbican, o mestre Tom Zé aterrissou em Londres para deixar todo mundo de boca aberta. Apesar da idade, ele continua parecendo uma criança no palco e fez um dos shows mais impressionantes que eu já vi. Música, performance, experimentação e muita, mas muita crítica social. Fiquei com a impressão de que ele é o que sobra artisiticamente da atitude tropicalista no Brasil.

Ele falou em inglês o espetáculo inteiro. Um inglês meio tupi, proposital ou não. E quando não sabia uma palavra elegeu um cara da platéia para traduzir pra ele. Figuraça. Criticou a Europa, que tanto roubou o Brasil, criticou a prostituição infantil e o turismo sexual ("a prostituição infantil barataノ a criança coitadinha do Nordeste/ colaborando com o Produto Interno Bruto/ e esse produto enterra bruto..."), criticou a cultura de massa e fez a platéia inteira repetir e aplaudir num coro: " Eita globarbarização"!

Isso sem contar o disco novo - Estudando o Pagode, uma beleza. Consegue criticar os doutores da bossa nova num espetacular pagode de resistência. Olhe só:

"Vinícius de Moraes, Baden Powell, Antonio Carlos Jobim, Menescal,Ronaldo Bôscoli, Nara Leão, Carlos Lira, Mille e o feminino João / Doutor, você é bom de colarinho, mas não fez a bossa-nova sozinho.O que te ilude é Roliúde, Roliúde-ude / A Cinderela bugue-ugue, Bugue-ugue bugue/ Prefiro meu pagode-wood /God me sacode/ Te deixo com teu rock-bode / Doutor, este teu papo não cola/ Você vaiou a bossa-nova n’O Pato/ A gente, além de não ter escola /Essa cultura de massa é um saco-de-gato".

Eu preciso de um dia para falar de Tom Zé. Todo espaço é pouco pra genialidade de Tom Zé.

Dose número dois: Marc Ribot

Quando eu penso em ir num show aqui em Londres de uma banda ou um músico que eu não conheço muito, penso sempre na minha profissão e numa palavra que nunca me sai da cabeça: repertório. É preciso mesmo ampliar as escolhas. Quanto mais se conhece, mais se seleciona, ainda bem. E foi por isso que eu optei por ir ao show do Marc Ribot.

Um cara que já tocou com Tom Waits e que teve uma banda como Los Cubanos Postizos não é pouca coisa. Mas ver o cara pessoalmente e escutar o som que ele está fazendo atualmente com a banda Ceramic Dogs não é mole não. O trabalho dele, ainda de vanguarda, me deu um nó na cabeça. Distorções, microfonias, efeitos, um caos. Um caos musical contemporâneo. Música moderna, pós moderna, música que tem que ser ouvida. Ode urbano. Ainda vou precisar de alguns anos e um repertório um pouco mais apurado pra entender bem esse cara. Mas eu vou tentando.

Dose número três: Cibele


Quando eu trabalhava na Educativa me lembro de um disquinho dessa cantora que tinha uma versão moderninha de Ronco da Cuíca. Na época o que ela fazia era quase original, meio diferente, misturar música brasileira com sons eletrônicos não era esse marasmo meio Fernanda Porto, meio Vanessa da Mata que é hoje em dia.

Quando vi que a Cibelle ia abrir o show do Tom Zé no Barbican fiquei surpresa. Depois de assistir ao show, mais surpresa ainda. E resolvi assistir ao show dela no Jazz Cafe, pra ver qual era. Cibelle me lembra muito Marisa Monte no início da carreira. Não só a voz, mas o jeito. Ela canta em português e inglês, usa dois microfones - um para o vocal e outro para fazer vocalises e efeitos que são gravados e repetidos durante a música, suporte que cria um efeito bacana e causa impacto no palco. Ela amadureceu bastante, compõe algumas faixas e está com uma sonoridade mais coesa. Por aqui estão a chamando de Bjork brasileira, um exagero. Mas ela realmente está procurando um pouco de originalidade. E passa longe da misturinha chata e repetitiva de mpb com efeitos eletrônicos. Ela bebeu de boas fontes.

Cibelle, feliz ou infelizmente, vai ser daquelas cantoras que vai ficar famosa antes fora, pra depois ser conhecida no Brasil. Portanto, se você está por aí, comece já a divulgar o trabalho da cantora.

Dose número quatro e arrebatadora: Cocorosie


Puta que o pariu! Não tem expressão melhor que essa, infelizmente, no meu escasso vocabulário pra falar dessa banda. As irmãs Casidy - Sierra e Bianca- nasceram em Iowa e no Hawai, respectivamente. O pai, Timothy Casidy era uma espécie de xamã e as meninas cresceram num ambiente meio cherokee. Ficaram uma década separadas, e se encontraram em Paris, onde Bianca estava estudando no Conservatório de Paris para ser cantora de ópera. As duas irmãs perceberam as afinidades e ficaram trancadas no banheiro do apê em Montmartre (onde a acústica era melhor) para gravar o primeiro ábum La Maison de Mon Reve e criar uma das bandas mais originais da atualidade : Cocorosie.

Eu já estava encantada com o segundo disco, Noah's Arc quando fiquei sabendo que elas iriam tocar em Londres e corri para comprar o ingresso com dois meses de antecedência. E fui para o show como uma criança vai ao parque de diversões. E me diverti. Elas tem uma presença de palco cativante. Sierra parece uma menina, pula, brinca, roda e abraça todo mundo. Bianca tem uma voz que eu nunca vi igual, com uma influência hip hop ela parece ter saído de um desenho animado. Se é difícil explicar as meninas, nem se fale da música. Ali tem tudo: hip hop, harpa, baixo acústico, muita percussão vocal, brinquedinhos de criança, violino, piano... é lúdico, não há definição melhor. É voltar a infância. É ser levado junto com os animais pela Arca de Noé... cantando.

Essas meninas ainda vão dar muito, muito o que falar. E eu fico feliz que o povo goste do som como o delas. Eu fico feliz de gostar do som delas. É bom, ingênuo e despretencioso. Cocorosie é meu som do momento, minha trilha sonora.

Londres tem sido uma escola. De vida, profissional, de amadurecimento, de aprender a separar o joio do trigo, a massa do biscoito fino. Escola de ampliar repertório. Esse é o meu primeiro ano sem estudar e como eu tenho aprendido! Cada vez mais certa da minha escolha de esperar, olhar para outros lados, de digerir tudo o que eu ouvi e aprendi até agora. De me tornar uma jornalista, uma acadêmica e uma pessoa melhor. Sempre tem um período de suspensãoantes da chuva. Isso são fraturas estéticas. Fraturas expostas.